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# [WIP] Do Novo Ano
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_21 de janeiro de 2022_
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Há uns dias, um amigo me dissera sentir certa falta de meus escritos de fim de
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ano. De certo modo, creio eu, anunciavam a alvorada de um novo tempo, lhe
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emprestando ar excessivamente otimista, ao mesmo tempo em que conferia ao fim
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do ano anterior certo teor “apoteótico”. Não sei... Há muito que estas passagens
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simbólicas não tem sido para mim mais do que um pretexto para me juntar aos meus
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e comemorar sem reservas, posto que é uma tal _época de festas_.
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Ironicamente, a última e mais importante passagem simbólica dos últimos tempos
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se dera justamente durante em meio a uma festa. Mal posso me lembrar deste
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remoto churrasco, mas fora, enfim, a última vez em que, em ar ainda impoluto
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deste mortal vírus, ergui orgulhosamente o copo de suco de cevada. Depois disto,
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nada mais esteve outra vez nos trilhos. De tombo em tombo, senti o corpo colidir
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com as paredes de um labirinto do qual saída alguma achei até a corrente data.
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Hoje, reflito, que terá sobrado deste antigo Tadeu? Enquanto matuto, inquieto,
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injuriado pelo incessante calor tropical e pela indefinida angústia que se
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suspende no éter, junto ao imóvel ar torrado pelos raios solares, demandas
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interrompem a reflexão. Contrariado, estatelo-me mais ainda na cadeira, tomando
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certa posição que me faça evitar de pensar nos três o quatro pontos da perna
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que parecem ter sido tomados por uma permanente anestesia. E o calor da manhã
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penetra as fibras de meu ser, almoçando o resquício de bom humor que ainda
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poderia em mim residir.
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Antes de atender às demanas domésticas, cedo aos demônios da internet, e logo
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reparo ser uma grande quimera esta tal _eudaemonia_. Às vezes, ouço boa música,
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aprecio a beleza e, não tarda, a demanda ecoa pelos ares. Minha presença, é,
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então, inadiável. Controlando a coçante vontade de acender um cigarro, me
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arrasto, resistindo à inexpugnável sina da “coexistência”. Lá pelas tantas,
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afogo-me em álcool. O álcool me pune. Curo com café. Então não tarda a me
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visitar a taquicárdica ansiedade.
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Não me deixando derrotar por uma substância, rendo-me à dipirona. E tudo em
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meu corpo é massa indefinida de problema que há muito não vejo. Por vezes me
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imagino quase uno com esta velha e estrupiada cadeira, que meu lar tem sido
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há tantos meses. Meto-me na cadeira como se fosse meu escritório e jogo-me
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na cama como quem visita a colônia de férias. O ar continua parado, quente,
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imóvel. O tempo voa, mas parece lento, retardado pela intensa tempestade de
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fótons também de um corpo, porém estelar.
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Ano I se tornou Ano II e agora Ano III se anuncia. Tudo como extensão de um
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eterno ontem que jamais se encerrou. Erguer a cachaça ao fim do ano é, para
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uns, supõe-se, um ato de resistência. É, para mim, contudo, mera resignação.
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Juntei-me a comemoração pelo bom clima. O tempo é só mais um componente que
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continua a me correr. E agora sem sequer me dar direito ao boteco.
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De tão longa crise sanitária não saio mais o velho jovem que outrora fui. A
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cerveja não mais me desce redondamente. E o tabaco, outrora não mais do que
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um gracejo social, assombra meus solilóquios, oferecendo solução fácil para
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minhas lutas comigo mesmo.
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